Criticaria

Um compêndio de crítica literária dedicado aos volumes esquecidos, inusitados, famigerados ou obliterados de bibliografias oficiais, encontrados em minha viagem de dois anos por cinco continentes.

18.1.05

Los 12 secretos del herrero, de Rosenda Mazella (Guatemala, 1971)

Uma das peças mais admiráveis de minha coleção, este é o terceiro dos quatro livros da obscura carreira de Rosenda Mazella, narradora guatemalteca nascida no dia 20 de abril de 1937 na cidade litorânea de Ocós, quase na divisa com o sul do México. De toda a sua bibliografia, este livro é o que menos agradou ao já pequeno público leitor desta costureira de imaginação inventiva. Isto se explica: seus dois primeiros livros, La ventana e Cuando soy amor, eram demasiado românticos e agradavam, em geral, ao público da cidade e a alguns outros, interessados particularmente em romances adocicados. Porém, numa manhã de 1968, tudo mudou para Mazella quando pôde ler, num jornal velho esquecido na praia, sobre os atos de maio daquele mesmo ano na França. Àquela altura, possuía já seus 31 anos e poucas perspectivas de vida, apesar de casada com um conhecido comerciante local. Foi justamente sob os auspícios dele que ela, decidida, resolveu mudar o rumo de sua vida e contar esta pequena história, que podemos considerar uma novela ou um romance curto. Pelas 160 páginas em formato padrão e com tipologias certamente linotipadas (e, por isto mesmo, com compreensíveis erros de impressão), a autora revela um país de, com o perdão do inevitável trocadilho, mazelas e tristeza. Tudo isto concentrado na visão do narrador e personagem central da trama, o ferreiro Alfredo, nome recorrente em sua obra e provavelmente referente ao também escritor guatemalteco Luis Alfredo Arango. E aqui vale um aparte: histórias não confirmadas colhidas por mim em Ocós dão conta de que os dois teriam se conhecido logo após o lançamento de Ventana en la ciudad, livro de 1962 de Arango. Por conta disso mesmo, Mazella teria mantido contato muito estreito com alguns membros do grupo Nuevo Signo, como Délia Quiñónez e Roberto Obregón Morales. O que, definitivamente, não influenciou em sua obra, caso tais contatos tenham mesmo ocorrido.
Em Los 12 secretos del herrero, Alfredo é dono de sua própria ferraria, na qual presta serviços à população local, como colocar ferraduras em cavalos, preparar monogramas para fazendeiros marcarem seus animais ou mesmo soldar uma simples caneca de metal. É soldando uma caneca que ele conhece Isidora, que se torna o grande amor pelo qual passa a lutar. Isidora, porém, é mulher mal falada, tendo passado por vários vilarejos até chegar à cidade de San Lejano. Alfredo não se importa e, para provar o seu amor, diz à amada que suportaria as piores provações, desde que, ao final, ele estivesse com ela. E Isidora, tão apaixonada quanto cruel, resolve confiar ao pobre apaixonado onze segredos terríveis, que envolvem o poder local e também a estrutura nacional. No caminho destes segredos, Isidora se envolve com artistas, políticos, desportistas e uma garota bastarda (filha de um major do exército), personagens que povoam o imáginário cético de um ferreiro cada vez mais envolvido com histórias que não lhe diziam respeito.
Mas não eram doze segredos? Onde está o último? É aqui que, numa virada genial, o ferreiro, após suportar o fardo dos segredos de Isidora, que podem mudar para sempre o destino do povo de seu país, resolve contar a ela o seu segredo: Alfredo, no passado, assassinara uma jovem como Isidora, degolando-a após a noite de núpcias de seu primeiro casamento. A amada do ferreiro poderia suportar tal prova? Ou Alfredo, um senhor na casa dos 50 anos, teria mudado sua vida e se tornado um bom homem, em que ela poderia confiar mesmo após casada?
O livro, que termina com um final amoroso aberto em meio a uma insurgência popular iniciada com a ajuda de Alfredo e Isidora, poderia ser considerado uma obra-prima da literatura latino-americana. Poderia, não fosse a edição distribuída e vendida de forma independente, provavelmente custeada pelo marido comerciante de Rosenda. Os poucos exemplares restantes, provavelmente, jazem em prateleiras de costureiras sem qualquer perspectiva de vida. Como, aliás, não tinha a autora, que, após o fracasso total desta obra, escreveu um quarto volume, intitulado Muerte, com poesias sobre a hora fatal de cada um. No dia seguinte ao lançamento, engoliu alguns anzóis de pesca marítima, suficientes para que ela falecesse com hemorragias internas no dia 7 de novembro de 1972.